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Filipe Consciência

Filipe Consciência

26.04.23

A perfeição do Feitoria de André Cruz


Filipe Consciência

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As minhas idas ao Feitoria ao longo dos últimos anos tiveram sempre conclusões semelhantes. O Feitoria era um dos melhores restaurantes nacionais, o menu apresentava uma perfeição quase completa e o João Rodrigues, juntamente com a sua equipa, destacava-se dos seus pares pela criatividade sempre em harmonia com a extrema qualidade do produto e seu sabor.

 

Incompreensivelmente com apenas uma estrela Michelin (em comparação com outros em Portugal), o Feitoria conquistava o meu coração a cada visita e foram muitas as linhas que escrevi com elogios ao trabalho do João Rodrigues e ao Feitoria.

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Com a saída do João Rodrigues não temi que o Feitoria deixasse de ser um bom restaurante, porque sabia que estava entregue nas boas mãos do André Cruz (bastante conhecedor da cozinha ou não tivesse começado a trabalhar no Feitoria em 2009), nem equacionei uma mudança no estilo de cozinha. Aliás, perante uma mudança de Chefs, com trabalho conjunto há tantos anos e tanta partilha de aprendizagem, não só me parece natural que haja uma continuidade, com algumas alterações e personalizações, como acho desejável que assim seja. Caso contrário, mais valia partir para um novo projeto.

 

Para o cliente, e para o restaurante, parece-me evidente que a mudança de Chef já é revolução suficiente. Se se mantém um restaurante com determinado conceito, mais vale continuar assim. Sem que isso signifique que A está a copiar B, ou vice-versa. No fim de contas, quantos Chefs aprenderam com o mesmo mentor e apresentam o mesmo estilo em múltiplos restaurantes ao redor do mundo? Quantos Chefs, quando saem de um restaurante, levam a experiência e conhecimento do local anterior? Quantos Chefs e conceitos semelhantes cresceram graças a Ferran Adrià ou René Redzepi, por exemplo?

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Escrevo esta nota inicial apenas porque é impossível falar do Feitoria, de André Cruz, sem falar de João Rodrigues. Parece-me impossível dissociar as duas realidades. Mas isso não significa que haja necessariamente uma imitação do que já era apresentado, como se verificou com o menu que escolhi onde pontuavam alguns ingredientes de produção própria do André Cruz ou pratos com inspirações em viagens recentes do Chef.

 

Há continuidade do trabalho anterior? Há, e ainda bem.

E há inovação? É possível começar a ver alguns pormenores específicos do André? Sim e sim.  

 

Passando à frente esta parte, e concentrando-me apenas no Feitoria de André Cruz, foi com bastante entusiasmo que voltei ao Feitoria. E foi com satisfação que, saltando já para o final, tive uma refeição perfeita do primeiro ao último momento, encontrei um serviço de sala renovado e, a meu ver, com um estilo mais do meu gosto, uma cozinha muito serena e a trabalhar a bom ritmo, e uma sensação geral de harmonia entre sala e cozinha que passa para o cliente o mesmo sentimento. Nota máxima para a refeição e experiência. 

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Optei pelo menu Semente, com 8 momentos e uma temática "Terra e Mar" que se manteve ao longo do menu (pormenor muito interessante que deu continuidade ao menu). Para apresentação do menu, e dos primeiros momentos, surgiu um tabuleiro com todos os elementos que estão presentes no menu de degustação. Confesso que é algo que gosto de ver pela teatralidade do momento, mas, nalguns casos, poderá ser desconfortável. Ver o marisco vivo e a mexer-se antes de começar a comer poderá causar confusão e desagrado nos clientes, especialmente em estrangeiros não habituados a isso, como me pareceu observar aquando da última visita. Apesar de achar que faz sentido com o conceito do restaurante e que não é algo na realidade muito diferente dos tradicionais aquários das marisqueiras, talvez ponderasse a pertinência do mesmo face a algumas reações.  

 

O menu começa com 3 aperitivos que conjugam habilmente a terra e o mar, todos impregnados de sabor. 

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Momento do pão, azeite e manteigas.

 

Tunídeos | lírio e atum

 

Horta e lavagante do Atlântico

Sabor intenso e delicioso, mas o ponto alto vai mesmo para a beleza do empratamento.

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Bacalhau, batata e trufa

Um dos melhores pratos da noite. Sabor pujante, apresentando com perfeição o bacalhau tão típico da nossa gastronomia, mas fazendo uso de ingredientes (e partes do bacalhau) não tão usuais. Um prato que, como diria Noélia Jerónimo, merecia que se trouxesse pão.

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Cozido de mar

 

Gamba do dia e arroz de cogumelos

Outro dos grandes pratos da noite, onde o marisco, mais uma vez, consegue manter a sua frescura, delicadeza e sabor, sem ser ofuscado pela intensidade do acompanhamento. Acompanhamento esse que estava divinal. Felizmente ficou na mesa o tacho com mais um pouco de arroz de cogumelos. Posso garantir que voltou para a cozinha completamente vazio. 

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Carne, salsifi, chocolate, kombu e alho negro

Um dos pratos novos do menu, com a carne no ponto e um resultado final irrepreensível. 

 

Malagueta, chocolate e leite de cabra

Para terminar, um trio de sobremesas onde tudo estava delicioso. Ao contrário do que acontece noutros restaurantes, é evidente que no feitoria há uma igual preocupação com a parte salgada e doce do menu, estando as duas ao mais alto nível, sem que nada ficasse descurado.

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As mignardises, ao invés de serem servidas à mesa, foram entregues numa caixa para levar para casa, permitindo prolongar a experiência do Feitoria por mais algum tempo. 

 

Os meus maiores parabéns ao André Cruz pela sua força e perseverança (não deve ser fácil o desafio de continuar com algo que era tão bom) e pelo trabalho apresentado. Perfeição no empratamento, na escolha dos produtos, na ligação de elementos e no sabor dos mesmos. 

 

Parabéns também à restante equipa de cozinha e à equipa de sala que, a meu ver, esteve melhor do que nunca. Obrigado Ricardo Silva e Pedro Ramos pela simpatia.

 

Aconselho vivamente a visita a este que é um dos meus restaurantes preferidos (nacional e internacionalmente).